domingo, 22 de fevereiro de 2015

Uma carta de alguém que esteve


Estou segurando esse pedaço de papel do seu Moleskine azul há horas porque não queria ter que escrever para você, mas sei que isso é o mínimo que você merece. Você deve estar agora envolto a mil planilhas chatas no trabalho ou olhando para o porta-retrato preto com a nossa foto no mirante da primeira vez que fomos à praia. Foi uma foto espontânea porque sempre me recusava a tirar fotos e você insistia. Não as tirava justamente por não querer eternizar momentos. Eu gosto do movimento da vida, da efemeridade e o quanto tudo são flashes. Você, ao contrário, guarda o ingresso do nosso primeiro show, suas anotações do colégio, presentes que não gostou, filmes antigos e até roupas que já não servem mais. Você é tão pretérito e eu sou tão presente.

Podia jurar que ficaríamos pouquíssimo tempo juntos. Achava que nosso início-e-fim seria naquela noite de Novembro, naquele bar de hotel da capital. Estávamos hospedados a trabalho e depois de algumas doses ao som de Michael Bublé já estávamos juntos. A semana no hotel passou e em pouco tempo vim morar na sua cidade. Jamais precisei de muito esforço para mudar.Bastava um único motivo e eu ia. Sempre disse a você que sou de momentos. Já me mudei por trabalho, estudos, família, amigos e amores. Sou formada por um pedacinho de cada pessoa que convivi, mas não sou nostálgica. Tenho asas e você, raízes. Estamos há quase um ano juntos e minha vontade de mudar já me consome. 

Sinto que já esgotei essa sua cidade. Conheci lugares novos, absorvi novas visões e entrei no seu mundo. Fui feliz, porém preciso ir. Queria que você fosse desprendido igual a mim. Ou queria ser apegada igual a você. Não consigo ter um emprego por anos que não goste, não consigo ter a vida toda as mesmas pessoas ao meu lado e não consigo conviver comigo todos os dias. A rotina é algo que me suga por inteira. Mesmos caminhos. Mesmas pessoas. Mesma atitude. Eu me canso e fujo. Fujo para ser outra, para sair do meu conforto e para me redescobrir novamente.

Eu nunca me defini para você e nunca menti. Sempre disse que não gostava de rótulos sobre o nosso relacionamento. Você me tratava e me apresentava como namorada às escondidas, mas eu sei que sempre fui sua ainda que rejeitasse tal título. A verdade é que estava amiga. Estava companheira. Estava amante. Estava sua.

Estou escrevendo porque não conseguiria me despedir olhando para os seus olhos tão transparentes e tão cheios de mim. Eu errei em ter ficado tanto tempo ao seu lado. Sempre que começava a conversa sobre a minha mudança, você trocava de assunto e me fazia parar. Eu passei do ponto. Eu deixei rastros demais nessa cidade. Eu marquei você. E eu odeio tudo isso. Odeio porque eu já fui quem ficou lá no início. Dezessete anos, um ano juntos, cartas na gaveta e portas-retratos quebrados. Até que troquei de cidade quando entrei na universidade e nunca mais fui estável. Minha vida, a partir dessa época, passou a ser como meus sentimentos. Instáveis. 

E por tudo isso ou só por isso que não fico. Recolhi minhas roupas do seu armário, limpei a casa e troquei todas as toalhas e lençóis para que não restasse o meu cheiro. Também estou levando alguns cds e filmes que ouvíamos juntos porque eu sei que você iria vê-los e ouví-los incessantemente e você não precisa de mais lembranças. Acredito que só restou esse porta-retrato preto. Já troquei o chip do meu telefone e nem precisa tentar me ligar. O meu próximo destino? Ainda não me decidi. Talvez perto, talvez longe. Apenas coloquei tudo nas minhas duas únicas mochilas e, a essa hora que você está lendo, eu deva estar dentro do ônibus olhando as luzes brancas e vermelhas dos carros na estrada e pensando que as vias são os meus lugares preferidos.

Peço desculpas por tudo o que irei causar a você, mas deixo o conselho para você fugir algumas vezes. Não precisa ser exatamente igual a mim, mas gostaria que você arriscasse e descobrisse que saltar pode ser melhor que a terra firme. Ou  ainda assim, você perceba que este é realmente o seu lugar no mundo. O lugar que recusei a ser meu.

Termino com um até logo porque "adeus" é permanente e você sabe... eu mudo. 
Espero que esteja bem,

Ass: Alguém que esteve com você.



3 comentários:

  1. Que texto incrível, lindo mesmo. A Carol arrasou mais uma vez!

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  2. Muito lindo o texto! Descobri o blog há pouquíssimo tempo e estou adorando as postagens. Que conteúdo maravilhoso! Sério, estão de parabéns. O cabeçalho também está magnífico! Me identifiquei tanto com o destinatário da carta... Beijos e parabééns!!

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Comentários

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